"BALADA PARA UMA RAPARIGA DO IRÃO"
Estava o dia por um fio;
preso a ele, a tênue linha
que separa-une, une-separa
o entardecer da noite,
a noite da tarde:
delicados e mágicos matizes.
E na primavera lusitana,
cá como no Brasil
ou em terras tão distantes como a tua,
é lindo este espectáculo de cores:
os tons apastelados e sóbrios
são renovados por cores alegres e fortes.
E nesta mistura prendem-se tons e vozes.
As pessoas parecem despertar
de um longo e tenebroso inverno:
já não ocultam as suas emoções,
deixam jorrar livremente suas alegrias e fantasias.
Risos e gargalhadas dão luz ao ambiente.
No vai e vem da lisboeta cidade
é intenso o ir e vir,
automóveis de todas as marcas e condições,
pessoas de todas as raças e culturas,
aprendizes de mileum ofícios e executivos:
minha retina não consegue captá-los todos.
Nesta atmosfera de democracia e liberdade
acolho teu semblante neste olhar,
misto de tristeza e alegria talvez,
mas carregado de saudade e soledade.
A próxima estação é anunciada
e na dispersão, sabemos: nunca mais nos veremos.
É cruel as vezes a vida, rapariga do Irão.
Nestes cinco a sete minutos partilhados,
ninguém no Metro ouviu o nosso diálogo,
mas acredite: as palavras que nossos olhares trocaram,
à milhares de anônimos como nós, tu e eu,
nesta bela tarde primaveril, como bálsamo cairiam.
Teu chador e o hábito pouco me revelam de ti.
Mas os olhos, este sorriso imberbe,
as pêras, tâmaras e maçãs do teu rosto,
radiografam-me teu estado de ser.
A t-shirt pendurada orgulhosa na bolsa MADE IN TEHERAN,
a Pérsia nossa esquecida, os aiatolás,
fazem indagar a razão de meu existir.
Recordo-me um Kiarostami cuja película
fez-me com que jamais fosse o mesmo após esse filme.
Os conflictos que o mundo vive,
que interiormente vivemos,
a busca de um significado maior para ser e existir,
a lágrima que discreta cai de teu rosto:
para onde vamos rapariga iraniana?
Admiro tua coragem por aqui estar.
Desconheço teu passado, mas não o teu presente:
todos olham surpresos para ti, és rara:
mulher, árabe, jovem, estudante e bonita.
Teu olhar me gera compaixão...
E nesta conversa mental toda, surge a fome:
quero te traduzir em versos-alimentos
os ensaios elucubrados nesta já noite.
Na linguagem do riso, do girassol e da amizade.
E grafar no teu coração esta ônzima que leva o teu nome...
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