11luas

Espaço de interação sobre o Belo e o Sublime, aventuras, arte, poesia, romance e espiritualidade. Tudo é bem vindo desde que seja para compartilhar a beleza e o 'algo mais' do existir.

segunda-feira, novembro 22, 2010

Ele está ansioso...

São quase duas.
Silencio.
Nenhuma tv ligada,
o computador desligado,
não há música no ambiente,
nem ranger de porta,
e os poucos passos que se notam
estão amortecidos pelas meias de algodão que cobrem seus pés.
Nenhum estalar de dedos.
Nenhuma torneira gotejando,
a geladeira e seu motor não se manifestam
e o relógio parece que está adormecido...
'São quase duas e ela vai me ligar!' - pensa ele,
baixinho para não fazer ruído e perder o momento do ruído e som
mais importante dos seus últimos anos.
Seu coração parece nem pulsar.
Fecha os olhos.
Não quer se ligar em outras coisas.
Tenso, tenta sorrir.
'Falta pouco', diz para si mesmo.
Evita. Passa os olhos longe do celular também desligado.
Mas não o perde de vista.
Anda para e para cá.
Diminui os passos.
Senta.
Levanta.
Ameaça olhar para o telefone.
Se controla.
Não se rende.
'Não estou ansioso', se auto assegura.
Respira.
Quase respira.
'Agora!" - diz.

zooommm rooomm rooooooooooom arrumm arummmmm
Bip Bip Biiiiiiiiiiiiiiip Muuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu
Muuuuuuuuuuuuuuuuu

"Xiiiiiiiii! Psiu!" "Schiiiiiiiiiiifttttttttttt"

Desesperado vê à janela o namorado da vizinha chegar com seu carro turbinado
e sua buzina de péssimo e bovino gosto - como a refletir seu dono.

Sem perder de vista o celular, olha para os lados, para cima, para o chão,
para dentro de si e nada o salva...

Olha o celular. Toca-o de leve através de suas mãos tensas.
Nem vê uma luz acendê-lo. Ignora-o.

'Tranquilo, espere um minuto'.
'Qué é afinal um minuto ?!'
Relaxa. Espere..." - nem ele mesmo se convence...

De repente, passos. Mais passos no corredor do seu andar.
'Pode ser ela!', reflete.

E então vozes...
E mais vozes.
E dez minutos depois, na rua, nas janelas laterais,
no prédio todo: vozes, vozes, vozes.
Muitas vozes, menos a dela!

Um gato mia daqui, um cão ladra recém desperto acolá,
e ela nada!

Até o motor da geladeira resolveu acordar...
E a vizinha acima do seu piso?
'Ah esta enceradeira maldita, um dia desapareço com ela!' - jura.

30, 40, muitos minutos eternos entre 40 e 45 minutos e nada!
Nada de tocar o aparelho mais importante do mundo naquele momento.
Está suando. Admite estar nervoso. Algo tenso.

'Algo.,, um pouco só...'

Não, não cogita crer que ela não ligará.

'Um mal entendido. Confundiu as horas?
Está sem bateria no celular?
Esqueceu-o no trabalho? Ah! Esqueceu em casa não é?'

Outros tantos eternos 3 minutos e eis que...

'Celular vibrou! Mensagem dela! Tudo resolvido. Deve estar chegando!'

'TORPEDO SHOW! ENVIE AGORA SORTE P/5500 E CONOORRA A R$ 100 MIL NO SÁBADO
E ALÉM DISSO VOCÊ CONCORRE A 100 TORPEDOS TOTALMENTE GRATUITOS TODOS OS DOMINGOS'

Era uma vez um celular. E toda a raiva do mundo foram canalizadas para a força de seus pés,
que não sossegaram até que amassado, destruído e quebrado todo o aparelho estivesse.

E ali perto, no meio de um congestionamento fatal de 134 kms as 13h50 de uma quinta-feira,
véspera de feriado uma linda jovem perplexa, não entendia como essas operadoras podiam
cobrar tão caros os serviços e oferecer tão pouco. E estava já irritada com a mensagem
que chegavam:

'Este número pode estar desligado ou fora da área de cobertura. Por favor tente novamente'

... ... ... ... ...

Não sei o que houve e se houve o encontro entre o tranqüilo homem e a mais tranqüila ainda
mulher. Mas não faz alguns dias eu mesmo fui vítima dessa ansiedade maligna que me custou
uma tarde maravilhosa, um companhia única e um novo aparelho de celular, além desta crise
de gastrite que por vezes me consome...